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TERMELÉTRICA - PERUIBE

Grupo de Políticas Públicas

Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo

 

São Paulo, 27 de setembro de 2017.

 

O Grupo de Políticas Públicas do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) realizou no dia 21 de setembro de 2017 um debate aberto a respeito do Projeto Verde Atlântico Energias (PVAE), que prevê, entre outras componentes, a instalação de uma usina termoelétrica e de um terminal offshore no município de Peruíbe, litoral sul do estado de São Paulo. O debate contou com a participação do professor Dr. Ronaldo Christofoletti, da UNIFESP-Santos; Mari Polachini, agrônoma e ambientalista de Peruíbe; Dra. Marjorie Okamura, advogada do porto de Santos, e com a mediação da professora Dra. Yara Schaeffer Novelli, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.

Como produto dessa discussão, o Grupo de Políticas Públicas se comprometeu a elaborar este documento, cujo objetivo é resumir as informações apresentadas durante o evento. Também está incluso um breve levantamento de aspectos que não foram contemplados no EIA do empreendimento, especialmente aqueles que envolvem o ambiente marinho. Para tanto, os impactos citados no EIA/RIMA foram analisados pelos os membros do Grupo de Políticas Públicas, alunos de graduação do 1º ao 5º ano do Bacharelado em Oceanografia da Universidade de São Paulo.

 

  1. Fase de planejamento

 

Durante a fase de planejamento do empreendimento é previsto um único impacto, referente à geração de expectativa na população. Como medida de mitigação, o EIA cita o Programa de Comunicação Integrada, cujo principal objetivo seria o de informar a população a respeito do empreendimento e de seus impactos, além de receber dúvidas e reclamações por meio de canais de ouvidoria.  Ressalta-se, porém, que esse programa está previsto para ser iniciado somente dois meses antes da fase de implantação do PVAE. Além disso, conforme dito em Audiência Pública realizada na ALESP (30 de agosto de 2017), as comunidades tradicionais não foram previamente consultadas.

Destaca-se também o desconhecimento por parte da população de Peruíbe e de parte dos presentes no debate a respeito do empreendimento, às vésperas da última audiência pública. Nesse contexto, se faz necessária uma maior divulgação do empreendimento, bem como uma consulta prévia à população, principalmente a de Peruíbe (incluindo-se comunidades tradicionais), que será a principal afetada pelo PVAE.

Além disso, nota-se que o EIA/RIMA, assim como a página do empreendimento da internet (http://www.verdeatlantico.com.br/) não dá o devido destaque às estruturas consideradas associadas ao empreendimento (quebra-mar, adutora e emissário submarino), igualmente causadoras de impacto socioambiental. Associa-se a essa subestimação a inconsistência relativa ao posicionamento do emissário submarino, cujo ponto de lançamento dos efluentes aparece a uma distância de 1,2 km (página 63, capítulo 10), 1,7 km (página 74, capítulo 7) e 2 km da costa (página 151, capítulo 9).

 

Partindo da definição de sinergismo dada no próprio EIA (página 8, capítulo 9) e no RIMA (página 41), na qual “os impactos sinérgicos são resultantes da presença simultânea de um ou mais aspectos, inclusive de outros empreendimentos, cuja associação não apenas potencializa sua ação, como também produz efeito distinto”, pode-se questionar a falta de precisão dessa definição, relativa à abrangência da área de ocorrência dessa presença simultânea de aspectos. Essa imprecisão nos permite, por exemplo, afirmar que existe sinergismo entre o terminal offshore e a linha de transmissão que, além de produzirem efeitos distintos em suas respectivas ADAs, potencializam o impacto visual. Essa discrepância na classificação do sinergismo de diversos compartimentos do empreendimento pode ser vista em diversas partes do documento.

 

  1. Fase de implantação

 

Durante a fase de implantação do empreendimento são previstos 24 impactos, sendo 20 considerados de natureza negativa, 2 de natureza positiva e 2 de natureza tanto positiva como negativa.  Considerando-se os impactos de maneira independente, somente 3 deles estariam diretamente ligados ao ambiente marinho (“Alteração da qualidade da água – porção marinha”; “Interferência na atividade pesqueira” e “Interferência no tráfego de embarcações”); entretanto, ao considerarmos uma abordagem ecossistêmica, impactos como “Perda de cobertura vegetal” ou mesmo “Pressão e Interferências sobre infraestrutura e serviços públicos” podem incidir de forma negativa sobre o ambiente marinho e sobre as comunidades que dependem de seus recursos.

 

Qual é o impacto da supressão vegetal na manutenção das funções ecológicas locais, considerando-se a perda de habitat para a fauna e das relações existentes entre as espécies?

 

Como a supressão vegetal, prevista em maior quantidade para a instalação da UTE e da LT, afeta a qualidade do ar na região e qual a sua contribuição para intensificação das mudanças climáticas? Nesse caso, deve-se considerar o sinergismo com a alteração da qualidade do ar gerada pela emissão de poluentes atmosféricos na chaminé da UTE.

 

Considerando-se o grau de vulnerabilidade das espécies ameaçadas de extinção, o que representa em termos quantitativos a supressão da vegetação e a consequente perda de habitat para a fauna? Da mesma forma, qual a significância da perda de espécies e do aumento da pressão de caça para os esforços conjuntos de conservação?

 

Destaca-se que, recentemente, a Área de Proteção Ambiental Cananéia-Iguape-Peruíbe foi contemplada como o mais novo sítio Ramsar do Brasil, o que nos leva a contestar se é vantajosa uma supressão tão grande de um contínuo de Mata Atlântica, estando a maioria em estágio avançado de regeneração. Além disso, observa-se que, para o impacto “Perda de espécimes da fauna terrestre”, é citado o Programa de Compensação Ambiental, não descrito no capítulo 10 - Planos e Programas Ambientais do EIA.

Qual é o impacto do assoreamento dos rios gerado pela supressão de vegetação, na atividade pesqueira e na atracação de embarcações, principalmente para o rio Preto Sul?

 

Em termos quantitativos, qual é o impacto gerado pela ressuspensão de sedimentos durante os processos de dragagem para instalação do TGNL e do GM na produtividade primária, atividade pesqueira e na renda das comunidades que fazem da pesca sua atividade de subsistência? Qual é o impacto gerado na disponibilidade do pescado e na renda dos pescadores, considerando-se a supressão da fauna bentônica? Da mesma forma, não são descritos em termos quantitativos os efeitos gerados pelo carreamento dos sedimentos para os corpos d’água no ambiente continental, tampouco o acúmulo de sedimentos no leito dos rios com a consequente supressão da fauna bentônica, tanto para a instalação da UTE como para o GT e LT.

 

Sabe-se que grande parte da economia da Baixada Santista se deve ao fato de esta ser uma região turística, dependente da locação de imóveis em períodos de temporada, bem como do ecoturismo. Em nenhum momento, porém,  foi citada a interferência na questão imobiliária no que diz respeito à alteração de preços dos imóveis para venda e aluguel durante a implementação da obra, nem tampouco são apresentadas medidas de mitigação do impacto gerado sobre o turismo ambiental.

 

Considerando-se a mobilização da mão de obra, estão previstos a ampliação e o fortalecimento da infraestrutura pública, o que inclui a construção de postos de saúde, escolas e unidades de tratamento de esgoto antes da implementação do PVAE?

 

  1. Fase de operação

 

Durante a fase de operação do empreendimento, são previstos 18 impactos, sendo 13 impactos de natureza negativa e 5 de natureza positiva, ao contrário do que é apresentado no EIA (página 183, capítulo 9).

Nesse contexto, é válido ressaltar que a dinamização da economia não é, necessariamente, um impacto de natureza positiva, considerando-se a vocação turística de Peruíbe. Da mesma maneira, pode-se mencionar o fomento do turismo de negócios, uma vez que este abre oportunidades para a instalação de outros empreendimentos geradores de impacto ambiental na região. Ainda, o impacto associado à alteração do mercado de trabalho não incidirá diretamente sobre a população de Peruíbe e da AII, uma vez que os 350 postos gerados durante a fase de operação serão em sua maioria ocupados por mão de obra especializada, o que pode levar, inclusive, à intensificação das desigualdades sociais e de suas respectivas consequências (aumento da criminalidade e prostituição) nas áreas de influência do empreendimento.

Destaca-se também que, assim como para a fase de implantação do PVAE, impactos como “Alteração dos níveis de ruído”, “Alteração da qualidade da água marinha” e “Alteração da qualidade do ar” apresentam-se subestimados, uma vez que são analisados de forma independente dos meios biológico e socioeconômico.  

 

Qual é, por exemplo, o impacto da pluma térmica resultante dos efluentes lançados pelo emissário submarino sobre a comunidade planctônica na região de Peruíbe? Havendo alteração na estrutura da comunidade planctônica, qual é o seu impacto sobre os recursos pesqueiros? E destes para a renda e cultura dos pescadores?

 

Na avaliação do impacto sobre a biota aquática, é de suma importância notar que a análise do meio marinho como um sistema de processos integrados simplesmente não foi alcançada pelo documento. Fala-se de como a pluma térmica afetará os produtores primários marinhos (fito e zooplâncton), mas não se menciona, em nenhum momento, de que forma isso afetará os outros níveis tróficos que dependem desses produtores. As populações de peixes e outros consumidores dependem diretamente dos produtores primários, sem os quais há uma queda significativa na abundância de pescado.

Destaca-se que para uma análise real da interferência na atividade pesqueira pelo empreendimento, é de extrema importância a compreensão da biologia e ecologia do ictioplâncton da região aquática afetada pelo PVAE. A temperatura é um mecanismo dominante na sobrevivência do ictioplâncton, já que esta atua direta e indiretamente no controle de processos biológicos, em todos as suas escalas espaciais e temporais relevantes. Atividades fisiológicas, metabólicas, comportamentais e o crescimento larval sofrem forte influência da temperatura. Por isso, além dos estudos de base deste grupo planctônico é imprescindível o estudo do impacto das mudanças de temperatura da água referentes a todo o raio do espalhamento da pluma, e não só à zona de mistura, causadas pela regaseificação a partir do navio FSRU e pelo descarte da UTE a partir do emissário submarino.

Essas informações são apresentadas somente do ponto de vista qualitativo e, nesse caso, deve-se considerar ainda o sinergismo com o impacto associado à interferência na atividade pesqueira e restrição das artes de pesca.
Ainda que essa abordagem integrada dos impactos pareça de difícil estimativa, deve-se lembrar que os meios físico, biológico e socioeconômico encontram-se interligados, de modo que uma análise independente desses meios não permite uma previsão real dos impactos.

Qual é o impacto da emissão de gases poluentes na saúde da população? Como isso se reflete em termos de qualidade de vida, considerando-se a baixa infraestrutura na área da saúde em Peruíbe?

 

Qual é o efeito dos gases poluentes sobre a vegetação de Mata Atlântica, considerando-se a formação de chuva ácida? Nesse caso, deve-se considerar o sinergismo com a supressão da vegetação durante a fase de implantação do empreendimento.

 

Qual é o impacto gerado pelo aumento do nível de ruídos sobre a fauna da região? Da mesma forma que para as emissões atmosféricas, deve-se considerar o sinergismo com os impactos gerados na fase de implantação do empreendimento, como a perda da cobertura vegetal e de habitats para a fauna terrestre.

 

Qual o impacto gerado pela perda de espécimes de aves, considerando-se os esforços conjuntos de conservação e o desequilíbrio ecológico gerado pela remoção de espécies predadoras de topo da cadeia alimentar?

 

Destaca-se que, recentemente, foi divulgado o registro sonoro da espécie Harpia harpyja (ou Gavião Real), espécie ameaçada de extinção, na ADA pela LT. Além disso, deve-se considerar também o sinergismo com a supressão da vegetação e a perda de habitats para a fauna terrestre.

Um dos principais argumentos favoráveis à instalação da usina em Peruíbe seria a dinamização da economia, teoricamente impulsionada pelos milhares de empregos gerados, tanto diretamente quanto indiretamente. Também leva-se em conta o chamado efeito-renda (embasado na movimentação do dinheiro gerado pelos empregos diretos e indiretos), além da grande arrecadação proveniente de diversos impostos (ICMS, ISSQN, entre outros). Ainda assim, a empresa afirma no Estudo de Impacto Ambiental que, devido à caracterização exportadora do empreendimento e à estrutura produtiva da Área de Influência Direta (Peruíbe e proximidades), seria pouco provável que o empreendimento viesse a gerar efeitos multiplicadores suficientes para alimentar um ciclo de desenvolvimento na AID.

 

Como o empreendimento seria benéfico à economia local se o próprio estudo afirma que a limitação da região pode (e com grandes chances) ser contrária à dinamização econômica proposta pela empresa?

 

Quanto à restrição do uso do solo, é reforçada no EIA a utilização de áreas já ocupadas pela população em regime de concessão. Mas, ao analisar o trajeto da LT, verifica-se a passagem desta através de cerca de 33 residências, que serão desapropriadas. Até que ponto tais desapropriações seriam benéficas?

 

Considerando ainda a fase de operação e o impacto referente à Interferência em Áreas Protegidas, e em alusão a possíveis derramamentos de óleo na área marinha que está rodeada pela UC, é questionável e subestimado o grau de significância do impacto. A Interferência em Áreas Protegidas foi classificada como de natureza negativa, tem ocorrência certa, incidência direta, duração permanente, temporalidade imediata, irreversível e não mitigável, porém sua abrangência territorial foi classificada como pontual (com um derrame de alcance de raio de 4 km), já que está dentro da ADA. Considerando o cenário de vazamento de aproximadamente 5.000 m³ de óleo “Bunker" das modelagens, e o fato de que o terminal offshore se encontra a uma distância de apenas 10 km da costa (e que um vazamento pode alcançar 8 km de diâmetro), este impacto deveria ser considerado de alta significância. Além desta falha, uma outra se destaca: somente um cenário de vazamento de óleo foi considerado. Diferentes cenários e escalas de impacto deveriam ser diagnosticados, já que historicamente vazamentos de maior escala em termelétricas já foram retratados (Cerame-Vivas 2017) e podem acarretar em significativos problemas considerando-se a proximidade da costa e a riqueza da biota, que será drasticamente afetada pelo óleo que foi mencionado no EIA.

Além disso, este impacto deveria ser caracterizado como cumulativo, uma vez que os danos à biota marinha são cumulativos e não há avaliação destes no documento, como ecotoxicologia do vazamento do óleo em questão. Além de sinérgico, uma vez que simultaneamente se desencadeiam problemas com processos do próprio empreendimento, como o impacto do escoamento da drenagem pluvial construída devido à terraplenagem do terreno e retirada de mata nativa e consequente aumento de stress e perda de qualidade da água para a biota e seres humanos.

Dessa maneira é necessário que se realize:

  • Modelagem de dispersão de óleo para maiores valores de derramamento;

  • Análise ecotoxicológica do óleo que será manejado no terminal off shore;

  • Alteração da significância e caracterização (sinérgica e cumulativa) dos impactos mencionados.

 

  1. Considerações finais

 

Conforme previsto na Resolução CONAMA 01/86, artigo 5°, parágrafo I, o empreendedor deve “contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto”. Pode-se entender como ‘forma de alternativa tecnológica’ a hipótese de uma alternativa energética confrontando-a com o empreendimento atual, como por exemplo: energia solar.

Frente a essa discussão, pede-se que seja considerada a possibilidade de abertura de um pedido de avaliação de uma alternativa energética que não uma termelétrica movida a gás natural para suprir a demanda energética. Também se ressalta, não pela primeira vez, que é imprescindível que se haja investimento nas estruturas de transmissão de energia já existentes no país para maior eficiência e melhor distribuição, reduzindo-se perdas significativas.


 

  1. Referências

 

Cerame-Vivas, M. (2017). Oil Spills: The Bane of Thermoelectric Power Generation. [online] Available at: https://gulfseagrant.org/wp-content/uploads/2017/09/Max_Morris-J.-Berman-1.pdf [Accessed 26 Sep. 2017].

 

Hatlen, K., Sloan, C., Burrows, D., Collier, T., Scholz, N. and Incardona, J. (2010). Natural sunlight and residual fuel oils are an acutely lethal combination for fish embryos. Aquatic Toxicology, 99(1), pp.56-64.

 

Klekowski, E., Corredor, J., Morell, J. and Del Castillo, C. (1994). Petroleum pollution and mutation in mangroves. Marine Pollution Bulletin, 28(3), pp.166-169.

 

Najberg, S., Pereira, R. O., (2004). Novas Estimativas do Modelo de Geração de Empregos do BNDES. Sinopse Econômica nº 33.

 

Canada O, Andrews S, Station B, Andrews S (2005) Effects of temperature during early life history on embryonic and larval development and growth in haddock. 1558–1575

 

Houde ED (2008) Emerging from Hjort’s Shadow. 41:53–70

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